sábado, 15 de março de 2008

UM DIA FAREI UM POEMA

"Imoral é o poeta que escreve ruim este é pornográfico até dormindo"
José Alcides Pinto


Um dia farei um poema
não à Solano Trindade.
Mas um poema louco, despudorado,
sem meias palavras, sem “cortes” ,
sem nada de hermetismo,
sem nehuma filosofia,
sem nenhuma frescurite,
sem nenhuma prévia explicação.
Que seja entendido
por quem quer que dele se aproxime.

II

Quero um poema propositalmente
diferente daquilo feito
pelos poetastros sabichões -
esses que escrevem duas linhas
em forma de poesia:
desconexas, insossas, inodoras, incolores
e sonham com o Prêmio Nobel
no próximo verão.

III

Chega de surrealismo tupiniquim.
Nada mais chato e imoral
do que ver um bando de idiotas
diante de uma página quase branca,
discutindo o "nada ", o "abstrato" dos "abstratos";
todos com ares de sábios da Grécia antiga
em torno de frases abestalhadas,
quase sem nenhum sentido.

IV

Como o velho Bandeira,
estou farto dos poetastros
cheios de pretensões e mesmices;
chega dos borges periféricos,
dos pounds, dos paz, dos maiakovski,
dos eliots, dos aragons, dos bretons, dos guilléns
mal lidos, mal digeridos
e vomitados a todo vapor
por todos os pedantes inovadores,
que lêem seus preferidos
muitas vezes no original -
em especial os castelhanos,
os quais não entendem
(muito menos se fazem entender).
Vamos fazer poemas sobre nossa realidade -
poemas simples, terra-a-terra,
à Ascenso Ferreira, à Manuel Bandeira
à Cassiano Ricardo. Castro Alves continua vivo
e deixemos a macaqueação de lado.

V

Por favor, deixem os elouard em paz,
deixem prévert em paz.
O cadáver de Breton quer apodrecer.
Não maculem a memória de Fernando Pessoa -
sejam vocês mesmos, porém sem incomodar ninguém.
Drummond -só existiu um.
Por favor, deixem as carcaças
dos irmãos campos federem em paz -
já nasceram mortos . Bem mortos.
Chega de concretismo, chega de formalismo, chega de
[estruturalismo, chega de prosa,
chega de idiotismo. Ora, pois, pois!...
Estamos conversados.

Toca Filosófica, 26/7/2006

Um comentário:

Edson Bueno de Camargo disse...

Carta resposta ao poeta Aristides Theodoro sobre insinuações à minha falta de originalidade.



Do menor para o maior, isto é vida Abridor, mas do maior para o menor, Abridor: isto é morte.
Palavras de Incerto para Tim Hunter (personagem de quadrinhos baseado nas novelas de Diana Wynne Jones) em Os Livros de Magia – Neil Gaiman


Tudo flui e nada permanece; tudo se afasta e nada fica parado.... Você não consegue se banhar duas vezes no mesmo rio, pois outras águas e ainda outras sempre vão fluindo.... É na mudança que as coisas acham repouso....
Heráclito, fragmentos


caro amigo não me peça
para voltar para um atrás que não existe
cada dia que se passa o mundo se transforma
como Cortez antes de cobrir o México de sangue
queimei meus navios na praia para não poder voltar
a cada giro da Terra, esse não acontece no mesmo lugar
o cio dos ventos urdem as chuvas
que destruirão sempre o velho em novo dilúvio universal

o jovem Natanael era uma espécie de Sidarta
em busca de verdades absolutas
eu não
há muito já não procuro por profetas e profecias
quebrei as estátuas dos mestres e deuses ímpios que cercavam a minha Caaba
referências são necessários alicerces obscuros
que devem permanecer enterrados sob a terra
embora em momentos oportunos serão lembrados
tenho todas as respostas do mundo e nenhuma pergunta
os frutos da terra estão à minha mesa
posso pegá-los e tocá-los no momento em que quiser
a simplicidade é tão enganosa quanto a complexidade
são nossos atos e não palavras que criarão a redenção do mundo

o cheiro das coisas está em meus poemas
assim como meus poemas se diluem no cheiro das coisas
como apanham as cores do homem, da terra e da água
e as transformam em palavras
nem sempre audíveis ou facilmente compreensíveis
minhas metáforas medonhas só põem medo a quem não quer compreendê-las




não vou cantar minha pátria ou qualquer outra pátria
estas artificialidades geopolíticas que agrupam gentes sem afinidade
onde todos são esmagados pelo peso do estado
pelas peças do ouro
pela falta de pão
“fronteiras são as linhas de nossas mãos”
arame farpado para o gáudio dos poderosos
que só lembram de seus filhos amados
quando precisam de sangue jovem para homenagear Ares

não me peça para ser cristão
a humildade não cabe em meus trajes de Narciso
serei um rei mesmo em trapos apodrecidos
Caboclo das Sete Encruzilhadas irrompendo em mesa branca
lorde templário
visionário louco no sertão
mesmo que o velho deus barbudo me cubra de hóstias de sangue
não dobrarei os joelhos a nenhum deus
que não seja eu mesmo
“ Bem aventurado aquele que açoita seu deus”
já dizia Nietzche em seus bigodes de asa de andorinha


por fim
posso afirmar que declino de seus conselhos
embora agradecido de sua preocupação
não emulo meus professores
o processo de criação é um mistério e morre em seu ato
o que sai de minha pena é aquilo que me acode e me convêm
a poesia é tão rica para se manter em uma única forma
o mundo da palavra tão vasto para ser limitado
se quisesse ser simplesmente agradável ao mundo
seria como certos escritores e poetas laudatórios
sempre eivados de inveja e despeito
agradecendo às autoridades o ar que nos permitem respirar

só sei escrever em liberdade
mesmo que pague um preço por isso
ou signifique algum tipo de exílio ao esquecimento
é meu fel e minha delícia
meu coração adquiriu o peso de uma pluma para a balança de Osíris
e tenho todo o tempo da existência para perder e beber com meus amigos