sábado, 15 de março de 2008

A CIDADE, A NATUREZA, A DEVASTAÇÃO E O HOMEM


Ilustração INISTA de Neli Maria Vieira

“As cidades estão cheias de gente. As casas estão cheias de inquilinos.

Os hoteis cheios de hóspedes. Os trens cheios de viajantes.”
Ortega y Gasset


Cresce a cidade
cresce
desbragadamente
e espalha seus tentáculos
como câncer
e como câncer
dilacera os tecidos nervosos,
que conduzem a substância vital,
mantenedora da vida;
os rios de águas coaguladas
exalam alcatrão, amônia e bosta.
Águas vômitas, pútridas, pestilentas,
que envenenam o homem pelos pés,
pelo olfato, pela visão;
e com todos os sentidos envenenados
os homens perdem a razão
e se filhodaputeiam mutuamente
agredindo o seu semelhante e a natureza;
o homem criador das cidades grandes
é de certa forma um estúpido,
um incorrigível degenerado,
que, ao ver-se acuado,
se vale dos labirintos dos arranha-céus,
como ratazanas que fogem dos felinos.
Convém que se limite
o crescimento humano,
convém que seja esterilizada a raça humana,
convém que as cidades sejam esvaziadas,
convém não haver mais choro infantil
e que as cópulas sejam apenas por prazer
e não mais reprodutivas;
que serventia tem o homem?...
Não será o pardal mais necessário
à cidade que o bípede implume de Platão?...
O homem sufocará, por certo,
com suas ambições mesquinhas,
todos os rios, a cidade e a atmosfera;
portanto, guerra ao homem
e liberdade à natureza,
que passará muito bem sem ele.
Não será o homem um erro da criação?...

Toca Filosófica, 3/3/l998

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