sábado, 15 de março de 2008

NÃO CONTRIBUIREI COM UM SÓ ÓBOLO PARA A CONSTRUÇÃO DO NOVO MUNDO


Ilustração INISTA de Neli Maria Vieira


À GUISA DE EXPLICAÇÃO


Tenho notado, quando leio o poema seguinte, que as pessoas, mesmo me recebendo com salva de palmas, costumam dizer que se trata de um trabalho de um homem revoltado. De antemão, digo que não sou de modo algum um revoltado, no sentido estrito da palavra, como querem alguns. Este texto foi escrito de um jato e retrabalhado, em seguida, com a tinta da galhofa.
Vivemos numa época em que todos querem salvar o mundo; uns praticando atentados terroristas como o do World Trade Center, outros fazendo guerras, cada qual tentando puxar a brasa para a sua sardinha, mas com a intenção de consertar o mundo. Vejam, até as religiões tentam salvar o homem das fogueiras do Inferno.
Logo, posso dar-me ao luxo de permanecer indiferente, não querendo nada com nada. Apenas preocupado em bolinar o meu umbigo”, a fim de não atrapalhar a marcha dos bem intencionados consertadores do mundo. Meu poema, repito, não passa de uma estrondosa gargalhada no silêncio de uma austera catedral, e apenas gostaria que fosse visto como tal e nada mais.

Aristides Theodoro
(Para Chico Tânio)

Atenção
senhores idealistas,
construtivistas,
leninistas, trotiskistas, marxistas,
utopistas, capitalistas,
consertadores do mundo:

Não me procurem,
quando passarem
com suas sacolinhas
de bocas grandes
devoradoras de ofertas
destinadas à construção
do novo mundo.

Estou fechado para o almoço,
não me procurem,
soou o sino invisível;
não estou aqui,
por isso não darei
um só óbolo
para a sua campanha.

Não estou a fim de distribuir
os folhetos propagadores
das suas idéias mirabolantes;
não impunharei a bandeira utópica,
não carregarei uma única pedra
destinada ao alicerce do novo mundo.

Não farei proselitismo em praça pública,
não carregarei água para o amálgama
dos alicerces, não segurarei as linhas
e o prumo que nivelarão as pilastras do
[novo mundo.

Estou ocupado comigo mesmo.
Ocupado em não fazer nada,
em bolinar o meu umbigo,
sim, ocupado com meu imenso
individualismo reacionário .

Senhores utopistas,
não tenho sonhos,
não tenho projetos
que engrandeçam a raça humana.

E assim, com meu niilismo,
não quero contribuir
com a causa dos companheiros,
dos oprimidos,
dos camaradas,
dos descamisados,
dos famintos,
dos friorentos,
dos “que vêm de longe”
dos retirantes,
dos bóias frias
e todos os condenados da terra,
como queria o meu divino Frantz Fanon.

Esse palavrório idealista, idiotizado,
me ofende medularmente.
Mais que os palavrões de todos os bêbados,
ditos pelos quatro continentes,
gritados pelas esquinas do mundo.
Detesto as palavras de ordem,
detesto as frases feitas, programadas;
detesto as soluções imediatísticas
dos salvadores da pátria
e, portanto, não quero contribuir
com meus parcos óbolos
para a construção do novo mundo.

Toca Filosófica, 20/6/l996

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