terça-feira, 18 de março de 2008

SOMOS TODOS HIPÓCRITAS, HIPÓCRITAS, IRREMEDIAVELMENTE HIPÓCRITAS, SIM SENHOR!...

"Em cada homem, grande ou pequeno, há uma mistura de fogo e esterco"
Dante Alighieri


Quantas vezes
eu e o resto da raça humana
não temos sido hipócritas,
sim, hipócritas por vocação,
hipócritas por covardia,
hipócritas por conveniência,
porém todos, indiscriminadamente,
astronômicamente hipócritas.

Hipócritas a ponto de chorarmos
lágrimas de crocodilo
diante de uma imagem do senhor morto
ou diante de um relato piedoso
mostrando a vida de um grande homem,
vilipendiado pela nossa covardia:
Dante, Camões, Cervantes, Tobias Barreto, Georg Friedrich Händel, ("Aleluia! Aleluia! Aleluia! E Ele reinará para sempre!...")

Dostoievski, Nietzsche, o caluniado Nietzsche,
ou mesmo, mais recentemente, o amargurado Fernando Pessoa.
Uns, no seu tempo, apedrejados, maculados,
outros tidos como dementes, bêbados.vilões, caloteiros.

Villon , Verlaine, Rimbaud, Baudelaire, Guinsberg, onde andarão vocês?...
E hoje, após todos eles tombados na morte,
despejamos as nossas lágrimas corrosivas
e palavras de falsa piedade nos seus túmulos.

Será que Edgar Allan Poe tornou-se abstêmio?...
Oscar Wilde abandonou a pederastia?...
Quando deveríamos seria vestir as ultrajantes túnicas
daqueles que os pregaram uma vez na cruz. Humilhante cruz.
Alguns mandamos para o exílio, onde comeram o pão do desprezo.
Houve um, que, epilepticamente, tinha violentas convulsões nevróticas, nos sujos cárceres siberianos.
Nietzsche foi violentamente desprezado pelos seus: Mãe e irmã num hospital para loucos.
"A loira russa", Lou Andréas-Salomé, riu-se, à bandeira despregada, da sua dor, da sua megalomania
e ainda tem aqueles que sermoneiam com voz macia
e apontam o dedão acusador, coberto de anéis,
contra os carrascos e fariseus do passado.
Ora, ora santo dio, os fariseus, os hipócritas, os carrascos
somos todos nós, quando apontamos o dedão rombudo, acusador,
contra o nosso irmão ao lado, às vezes, unicamente por ver as coisas diferente da nossa ótica.
Portanto, um modo moderno, civilizado,
que praticamos com um sorriso afivelado
a fim de melhor pregarmos no lenho imundo
O cristo plebeu que dizemos amar
E que com passos tardos, andrajoso,
geme, cambaleia, é chicoteado e morre ao nosso lado
sem que nos dignemos a mover uma única palha por ele.
Então, repito: Somos todos, indiscriminadamente,
Na acepção máxime da palavra, hipócritas, hipócritas, contumazes hipócritas.
Sim, senhor!... Quem puder que diga o contrário
ou então atire a primeira pedra.

Toca Filosófica, 19/6/2007

MONSTRO DE VIDRO E AÇO

"O Martinelli era um soldado no planalto"
Domingos Carvalho da Silva


Malha o martelo
tine a picareta
brande o cutelo
isto e Sao Paulo
cidade duelo.

Desodorante vencido
bodum de suor
homem esquecido
sobre o frio e o calor
isto e Sao Paulo
cidade rigor.

Barulheira infernal
artéria congestionada
manhã de cristal
pista molhada
isto e São Paulo
iniciando a jornada.

Correria, mau humor
homens emproados
demonstrando valor
isto e Sâo Paulo
cidade labor.

Apitos de trens
resfolegar de motores
homens que vão
gente que vem
sinos que tocam:
Blem!... Blem!... Blem!...
Isto e São Paulo
forjando o mal e o bem.

sábado, 15 de março de 2008

POEMINHA SEM REALISMO PARA RUTH


Ilustração INISTA de Neli Maria Vieira

Pois é, RUTH:
naquela noite aziaga
o camarada Lincoln, com sua figura esquálida,
não cantou La Marseillaise,
nem mon petit Proust
degustou sua última madeleine;
também padre Alfredo não rezou a missa das seis,
tudo porque o sol se pôs ao meio-dia.

A terra não girou sobre seu eixo,
as aves aquáticas foram para o poleiro mais cedo,
os cavalos dispararam nas pradarias do espaço
e Balzac não pontuou sua última produção,
tudo porque o sol se pôs ao meio-dia.

O leiteiro de Minas não vendeu seu leite,
o sabiá de Gonçalves Dias não gorjeou na palmeira,
o gago Machado de Assis não teve ataque de epilepsia,
nem Edgar Allan Poe tomou seu pileque noturno;
o asqueroso corvo não repetiu seu nevermore, nevermore,
tudo porque o sol se pôs ao meio-dia.

O Cristo, no Corcovado,
com suas axilas fartas de desodorante barato,
gemeu e peidou: " fium!...”
Perfumando as tetas poluídas da " Garota de Ipanema ",
tudo porque o sol se pôs ao meio-dia.

Euclides não havia parido seu " livro vingador " ,
Verlaine não beijou naquela noite a boca fétida
[de Rimbaud,
Dostoiévski tremia de frio na cadeia;
as ondas oceânicas bêbadas de fúria e caos
lambiam as nádegas rosadas e pedregosas de Olinda,
tudo porque o sol se pôs ao meio-dia.

RUTH, a coisa foi tenebrosa:
o oceano nada pacífico
vomitou seu cardume de baleias na praia;
a lua triste, penumbrosa,
não derramou seu mênstruo de luz aquosa,
tudo porque o sol se pôs ao meio-dia.

Castro Alves não palitou seu dente de ouro,
Tobias Barreto não vociferou seu último desaforo em alemão;
Nietzsche não invocou naquela noite seu Zaratustra
e Hitler no íntimo do seu ventre de abutre
já comandava a sua Gestapo sanguinária.
tudo porque o sol se pôs ao meio-dia.

O conde de Tolstoi mergulhava em densas trevas,
Van Gogh planejava decepar a orelha esquerda
e se lavar em amarelo " excremencia ";
as nuvens celestes se tornaram negras, negras,
e Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião,
ainda não tinha o olho direito vazado,
tudo porque o sol se pôs ao meio-dia.

Naquela noite tenebrosa,
escura, macabra, relampejante,
Rimbaud, que ainda era imberbe e infante,
não havia pensado "Une Saison en Enfer";
o anguloso Dante não havia deflorado Beatriz,
Pitágoras, o filósofo grego,
não havia inventado a tabuada de multiplicar,
tudo porque o sol se pôs ao meio-dia.

Sir Gilberto Freyre nem pensava escrever " Casa-Grande & Senzala ";
Mussoline, com seu queixo de quadrúpede,
ainda não tinha feito sua pose de arromba,
nem o Titanic havia boiado na baía da Guanabara,
tudo porque o sol se pôs ao meio-dia.

O ritmo do JAZZ não balançava el mundo;
Beethoven, no Largo da Carioca, dançava carnaval,
fumava maconha e compunha " A Pastoral ".
Estou em dúvida: não sei se Camões já existia,
mas seu Cabral já havia gritado: "terra à vista!..”
Bocage não havia escrito seu primeiro poema pornô.
A Planície Amazônica já estava sendo amalgamada
e conspurcada para ser vendida aos mercados mundiais,
tudo porque o sol se pôs ao meio-dia.

Toca Filosófica, 9/2/l992

POEBOMBA

" Cem sóis flamejam no horizonte "
Maiakovski

Quero um poema lunático,
límpido e transparente,
pra cantar meu povo;
um poema explosão,
feito de ácido urânio,
de cogumelo adesivo
e diamante combustão,
que rasgue as vísceras do problema.

Quero um poema estereotipado,
um poema espada aguda,
um poema felino predatório,
pra destroçar com ira
os ladrões, os corruptos,
as cobras, as hienas,
que comem as vísceras do meu povo.

Quero um POEBOMBA
poluído e leprosante
de 9.000.000 de megatons,
de l00. 000. 000 de Hiroximas,
pra fulminar os feitores,
que comem as vísceras do meu povo.

Quero um poema terremoto,
um poema furacão,
convulso e vulcânico;
um poema diluvial,
fim-de-mundo,
um poema dicionário,
que corte a face da terra,
que risque a pata do mapa;
um poema fóssil,
um poema cristal,
um poema ósseo,
um poema bisturi,
que extirpe as vísceras
dos corruptos e dos ladrões,
das cobras e das hienas
que as carnes do meu povo comem.

Toca Filosófica, 9/2/l978

O NEGRO E O BERIMBAU

Surra, negro, surra!...
A corda vibrante
de som delirante
do teu berimbau.

E conta à tua maneira
a nossa história,
a nossa dor, a nossa leseira,
na corda vibrante
do teu berimbau.

Surra, negro, surra!...
A corda metálica,
a corda que urra,
retesada no arco
do teu berimbau.

O DOMADOR DA LÍNGUA

"O Brasil amansou o idioma"
Raul Bopp

O negro africano,
verdadeiro domador da língua,
chegando ao Brasil,
com raiva do seu senhor
explorador e tirano,
não se deu ao luxo
de aprender a língua do branco,
criando assim
o “seu próprio léxico”,
um léxico estranho, “cifrado”,
cheio de sons sibilantes,
que eliminava os ss e os rs,
para melhor ser entendido
pelos malungos da senzala.

E, dessa revolta inicial do negro,
surgiu esta brasileirice
morena, oleosa, faceira,
que faz gosto ser ouvida,
quando saída, com todo o seu pitoresco,
da boca desses brasis selváticos,
cheia de barbarismo e calor humano.

O certo é que o negro amansou a língua:
“surrou-a com sons de tambores” ,
azeitou as suas durezas,
poliu as suas arestas,
dominou a impetuosidade do potro xucro,
para melhor ser entendida
pelos malungos da senzala.

É por isso
que hoje em dia
temos este idioma belo,
bárbaro, sonoro,
cheio de sons de afoxés,
roncos de cuícas e pandeiros,
que o autor de “As Armas e os Barões Assinalados”
longe, bem longe, estava de imaginar.

FESTA DO POVO

(Para São Macário Ohana Vangélis)

Mauá amanheceu engalanada,
praça 22 de Novembro totalmente lotada.
Pretos, muitos pretos,
pardos, brancos, chinas e outros:
os tambores, ganzás, cuícas e reco-recos
roncam e bolem com o sangue
de um negro beiçudo, cheio de cocorecos,
que começa a se saracotear:
Ziriguidum, ziriguidum, ziriguidum, ziriguidum!...
Fazendo miséria no tablado.

Outros negros
se desconjuntando
fazem gestos, caretas,
passos aparentemente desconexos,
como se tivessem recebido o Santo:
Ziriguidum , ziriguidum, ziriguidum, ziriguidum!...
O tempo fecha no tablado:
rabo de arraia, pernadas,
coice de mula - “Ouê Camará!...”
A praça ferve, delira e os negros
pensando-se n”África,
fazem que vão, mas não vão.
Muita ginga, malemolências,
jogo de corpo, um passo à frente, outro atrás,
e tome de rabo de arraia
e tome de Aú e outros mortais golpes,
capazes de colocar por terra um marruás.

Depois vem o JAZZ, o Swing,
o Bebop, o Blues e o Breaks,
armas negras com as quais,
assombraram o mundo,
pois o negro tem o swing na alma.

20 de Novembro:
dia da Consciência Negra,
convém que os instrumentos
ronquem, bufem e um berimbau maroto
lembre tempos dantanhos,
tempos de cativeiro,
porque “canto de negro é esperança”,
“canto de negro é poesia”,
para um País miscigenado,
onde o negro está em toda parte,
mostrando sua arte, sua literatura,
sua rica culinária,
e contribuindo com o seu quinhão
para o engrandecimento da nação.
Canto de negro é esperança,
canto de negro é o sol na alvorada,
como queria o poeta SOLANO TRINDADE.

Toca Filosófica, 20/ll/2004

MANDINGA


Ilustração INISTA de Neli Maria Vieira

Creio ou não creio em mandinga,
crença africana -
carregada de misticismos, encantamento.
Mas pelo sim, pelo não,
vou pedir à Mãe-de-Santo
que jogue os búzios,
faça um ebó, com muitas oferendas
e saiba de uma vez por todas
se tem ou não tem
uma negrinha bonitinha, bem dengosa,
na beira do meu caminho,
fazendo um edifá,
pra me segurar.

Toca Filosófica, l8/8/2007

TINHA UM CANGAMBÁ, UMA PEDRA E UM CACTO REPELENTE NO MEIO DO MEU CAMINHO


Ilustração INISTA de Neli Maria Vieira

(Para José Alcides Pinto)


Quando levantei-me da cama,
numa manhã de novembro de l937,
molhado pela gosma fétida da placenta,
vi logo um cangambá no meio do meu caminho.

Esse bicho nojento
secou o leite de minha mãe,
comeu a minha papa rala,
tomou a minha sopa insossa,
cercou o meu caminho.

No início tinha uma enorme pedra
e um cangambá no meu caminho.
Drummond, um iniciante,
que já era uma sombra imensa,
quis roubar o meu primeiro verso.

Queria passar. Mas como?...
Se no meio do meu caminho
tinha uma pedra e esse cangambá nojento
sempre a me olhar?...

“Tinha uma pedra”
“tinha uma pedra”
“tinha uma pedra”
“tinha uma apedra”
ali, no centro do meu caminho,
e um cangambá nojento
sempre a me olhar.

Por que deus e o DIABO
que nunca foram meus amigos,
permitiram que um cangambá nojento,
uma pedra grande e mais um cacto repelente
ficassem ali plantados
no centro do meu caminho?...

Toca Filosófica, 23/9/2002

FIM DE JORNADA

"Vai-te embora, eternidade"
Lêdo Ivo


Lábios esverdinhados,
mãos cruzadas no peito,
flores também findas,
choro, pêsames, tristeza.

Fim de todas as vaidades...
Pessoas entremunhadas,
paredes brancas,
de que morreu?...
de bala, AIDS, infarte, sei lá eu...

Pela manhã o enterro segue
e, de maneira abrupta,
por mãos rudes, calejadas,
o corpo é jogado na terra fria,
onde terá início a decomposição
e o fim de todas as vaidades.

Toca Filosófica, 23/3/2003

TRÊS GERAÇÕES VENDO UMA FOTO

Três gerações - pessoas belas,
sorridentes, saudáveis,
cada qual com seu ideal:
a avó com faces esmaecidas,
a filha no auge da formosura,
os netos no verdor dos anos,
como a vida é bela,
quando a família unida,
com um só ideal,
busca a paz entre todos
e não maldizem um pobre poeta,
que, por não haver recebido o “Santo”
e, por sua inteira incapacidade,
não conseguiu fazer um poema.

Toca Filosófica, 27/5/2003

IMAGEM DE UM RIO

Desce um rio
como uma hemorragia:
negro, amarelo,
preto, acinzentado,
fétido, ´pestilento,
venenoso, a contaminar
toda a paisagem
por onde passa.

O fio dӇgua
nos últimos estertores
pede socorro;
é hora de união.
É hora de mãos dadas,
de tirarmos o Tamanduateí
do leito de coma,
da ante-sala da morte.

A CIDADE, A NATUREZA, A DEVASTAÇÃO E O HOMEM


Ilustração INISTA de Neli Maria Vieira

“As cidades estão cheias de gente. As casas estão cheias de inquilinos.

Os hoteis cheios de hóspedes. Os trens cheios de viajantes.”
Ortega y Gasset


Cresce a cidade
cresce
desbragadamente
e espalha seus tentáculos
como câncer
e como câncer
dilacera os tecidos nervosos,
que conduzem a substância vital,
mantenedora da vida;
os rios de águas coaguladas
exalam alcatrão, amônia e bosta.
Águas vômitas, pútridas, pestilentas,
que envenenam o homem pelos pés,
pelo olfato, pela visão;
e com todos os sentidos envenenados
os homens perdem a razão
e se filhodaputeiam mutuamente
agredindo o seu semelhante e a natureza;
o homem criador das cidades grandes
é de certa forma um estúpido,
um incorrigível degenerado,
que, ao ver-se acuado,
se vale dos labirintos dos arranha-céus,
como ratazanas que fogem dos felinos.
Convém que se limite
o crescimento humano,
convém que seja esterilizada a raça humana,
convém que as cidades sejam esvaziadas,
convém não haver mais choro infantil
e que as cópulas sejam apenas por prazer
e não mais reprodutivas;
que serventia tem o homem?...
Não será o pardal mais necessário
à cidade que o bípede implume de Platão?...
O homem sufocará, por certo,
com suas ambições mesquinhas,
todos os rios, a cidade e a atmosfera;
portanto, guerra ao homem
e liberdade à natureza,
que passará muito bem sem ele.
Não será o homem um erro da criação?...

Toca Filosófica, 3/3/l998

POEMINHA COM PITADA SURREALISTA PARA LOUIS ARAGON

(Para Neli Maria Vieira)

Uma lagartixa alva,
séria, repelente, cabeçuda,
saída do ventre de um cavalo molhado
- talvez um cavalo norte-americano-
pronuncia um discurso na ONU:
um discurso contra as guerras.
Presentes: Catão, Hitler, Bush, Bin Laden, o Papa,
que de mãos dadas bebem no mesmo copo
e zombam da pobre lagartixa alva, repelente, cabeçuda,
que, para espanto de todos, deixa a tribuna
e batuca no desafinado piano da ONU
um samba de Vinícius de Moraes.
com suas maõzinhas desproporcionalmente curtas,
mãos de Toulouse-Lautrec?... - Talvez...
Sendo aplaudida por Tigelinus,
velho poeta safado, palaciano,
que ajudou Nero a tocar fogo em Roma,
isso em l922 - ano da graça
de Deus Nosso Senhor Jesus Cristo.

Toca Filosófica, 22/9/2005

AS TRAGÉDIAS NÃO ME AMEDRONTAM


Ilustração INISTA de Neli Maria Vieira

" Deixa rugir o caos "

Mário Quintana


As tragédias mais terríveis
não me amedrontam:
gosto de “viver perigosamente”
como o viandante
escalador de montanhas,
a fim de testar
as minhas próprias forças.

Ninguém, ninguém, ninguém mesmo
poderá fazer-me mal;
tenho o corpo e a alma calafetados
com o visgo esverdinhado do Inferno
e como o recheio de um sanduíche
fico sempre espremido
entre duas forças descomunais:
DEUS & o DIABO, o velho Cramulhão,
com seu tridente infernal,
e Deus Nosso Senhor Jesus Cristo,
com sua voz efeminada.
Então, pergunto eu:
se Deus & o DIABO andam comigo ,
quem ousará ser contra mim?...

Guiado por DEUS & o DIABO,
sigo a minha vida.
Protegido dos imbecis, das tempestades,
das tragédias, dos vendavais, dos abismos.
Meus amigos, por favor, não me apontem caminhos,
não me apontem super-homens
barbadinhos, zangadinhos, temperamentais,
donos de todas as verdades do mundo;
sei errar sozinho, pular abismos,
trevas e precipícios,
sem que ninguém me dirija suas piedosas palavras.

Toca Filosófica, 3/4/2006

MEUS OSSOS NÃO SE FOSSILIZARÃO

"Com a palavra, não acostumo acariciar ouvidos"
Maiakovski

Meus ossos
de ateu confesso
não se fossilizarão,
assim como os dos mamutes,
dos dinossauros, das preguiças gigantes.
Quando Deus Nosso Senhor Jesus Cristo,
com sua ira satânica, descer à terra
no dia do Juízo Final,
montado no seu cavalo de fogo,
por certo, nada, mas nada mesmo
encontrará que marque a minha presença
aqui neste vale de lágrimas.
Nem mesmo os meus inimigos figadais (todos mortos,
[bem mortos),
poderão falar suas verdades e inverdades sobre mim.
Então serei , dentro de algum tempo,
juntamente com eles (meus inimigos) iguaizinhos
a um zero à esquerda do problema,
que não possui nenhuma serventia.
Ainda bem, por esse lado
a natureza é sábia, imensamente sábia.
Para que conservar resquícios do homem sobre a terra?...

Toca Filosófica, 7/6/2007

DIANTE DE UM MURAL DE EMERIC MARCIER (*)

“...o deus cristão é uma máscara de satanás e por isso o diabo
encontra nas igrejas os seus adoradores mais aproximados.”
Friedrich Nietzsche


Emeric Marcier, um torturado de Deus,
tal qual os cristãos primitivos,
destilou a ira divina
em murais colossais,
assombrando os primeiros
moradores da provinciana Mauá.

E com a mesma fúria
de um Rivera, de um Orozco
ou de um Siqueiros
(esses movidos pela política),
Emeric, em tom sombrio,
ameaça o mundo com um deus bestial,
que tem verdadeiros orgasmos
ao se vingar da raça humana
- obra e graça da sua criação.

Por que o deus de Emeric
fez o homem, esse ser abjeto,
unicamente para ter o prazer
de destruí-lo nas fogueiras infernais?...

O deus de Emeric é enorme...
Sempre irado, apavorante,
do qual ninguém escapará
sem que lhe preste
contas no juízo final.

(*) Murais pintados nas paredes de uma capelinha da Santa Casa, em Mauá - SP

O GAVIÃO DE PENACHO, COM SEU OLHAR AGUDO, ESPIA O MEU CORPO ESQUÁLIDO, ANTES DE DESCER À SEPULTURA

(Para um certo pregador dono da verdade)

Meu corpo:
substância vital
herdada dos meus pais,
Cosme Theodoro & Don”Ana Francisca da Silva.
Misto de cálcio, ferro, cartilagem e sangue.

Meu corpo:
um amálgama
de esperma, merda, deus e o DIABO.
Contendo ternuras e maldades
inerentes à raça humana.

Meu corpo:
que ele se foda.
Vá pros quintos dos Infernos,
pro céu ou para onde quer que seja -
isso no seu devido momento.
Vire adubo para alimentar plantinhas humildes
de beira de cemitério de periferia
ou seja incinerado em forno de l. 400 graus centígrados -
(afinal, depois da morte, acabam-se todas as vaidades).
“Vaidade das vaidades” - já dizia meu compadre São Salomão.

Meu corpo:
essa bela mierda,
que segundo alguns religiosos,
foi projetado lá na aurora dos tempos
por um deus malicioso,
ao ver uma vaca amarela mijando.

Então que seja este corpo
(após a minha morte, é claro!..)
comido por ratazanas, por gaviões de penacho
ou qualquer outro carniceiro feroz,
que dele venha a se apetecer.
As raposas, por exemplo, as hienas, os tubarões...
E daí?... Estarei morto e bem morto.
Então, que diferença faz ser roído por vermes
ou por outro predador faminto?...

Termino este poema (poema?...) propositalmente
com uma tremenda digressão
e um conselho ao poeta Edson Bueno de Camargo (o gordo)
e suas metáforas medonhas:
amigo, volta ao chão, deixa as estrelas
(lá por certo estará o Bilac, ocupando o seu lugar)
e faz poemas do corpo e com o corpo,
como quer o Mestre Trevisan.
Com palavras de cristão -
explorando seus cheiros (de corpo, é claro), seus pruridos),
de uma maneira que todos te entendam.
Deixa o portuga Hélder, deixa o Willer, deixa o Roberto Piva de lado rapaz!...
E sê tu mesmo. A exemplo de Natanael,
personagem de “Os Frutos da Terra”,
famoso romance de André Gide.

Toca Filosófica, 8/5/2007

UM DIA FAREI UM POEMA

"Imoral é o poeta que escreve ruim este é pornográfico até dormindo"
José Alcides Pinto


Um dia farei um poema
não à Solano Trindade.
Mas um poema louco, despudorado,
sem meias palavras, sem “cortes” ,
sem nada de hermetismo,
sem nehuma filosofia,
sem nenhuma frescurite,
sem nenhuma prévia explicação.
Que seja entendido
por quem quer que dele se aproxime.

II

Quero um poema propositalmente
diferente daquilo feito
pelos poetastros sabichões -
esses que escrevem duas linhas
em forma de poesia:
desconexas, insossas, inodoras, incolores
e sonham com o Prêmio Nobel
no próximo verão.

III

Chega de surrealismo tupiniquim.
Nada mais chato e imoral
do que ver um bando de idiotas
diante de uma página quase branca,
discutindo o "nada ", o "abstrato" dos "abstratos";
todos com ares de sábios da Grécia antiga
em torno de frases abestalhadas,
quase sem nenhum sentido.

IV

Como o velho Bandeira,
estou farto dos poetastros
cheios de pretensões e mesmices;
chega dos borges periféricos,
dos pounds, dos paz, dos maiakovski,
dos eliots, dos aragons, dos bretons, dos guilléns
mal lidos, mal digeridos
e vomitados a todo vapor
por todos os pedantes inovadores,
que lêem seus preferidos
muitas vezes no original -
em especial os castelhanos,
os quais não entendem
(muito menos se fazem entender).
Vamos fazer poemas sobre nossa realidade -
poemas simples, terra-a-terra,
à Ascenso Ferreira, à Manuel Bandeira
à Cassiano Ricardo. Castro Alves continua vivo
e deixemos a macaqueação de lado.

V

Por favor, deixem os elouard em paz,
deixem prévert em paz.
O cadáver de Breton quer apodrecer.
Não maculem a memória de Fernando Pessoa -
sejam vocês mesmos, porém sem incomodar ninguém.
Drummond -só existiu um.
Por favor, deixem as carcaças
dos irmãos campos federem em paz -
já nasceram mortos . Bem mortos.
Chega de concretismo, chega de formalismo, chega de
[estruturalismo, chega de prosa,
chega de idiotismo. Ora, pois, pois!...
Estamos conversados.

Toca Filosófica, 26/7/2006

DEUS, A VIDA E UMA PARTIDA DE DADOS

"Quando Deus fez o amor ele não ajudou muito"
Charles Bukowski


A vida é uma merda
que deve ser vivida
até o último gole.

Ora em estado de êxtase,
ora chateadíssimo até à medula;
se deus criou o homem
à sua "imagem e semelhança",
garanto que naquele dia
deus estava de porre.

Deus às vezes também
tem suas crises existenciais
e fica de saco cheio
por dá-cá- aquela palha:
tomando nessas ocasiões
pileques de arromba,
a fim de clarear as idéias
e não perder a partida
no jogo de dados
disputada com são gabriel
nas esquinas do céu.

Como bem disse São Macário Ohana Vangélis,
poeta maldito de Mauá,
deus às vezes " fica fodido " da vida
a exemplo de suas criaturas
e mostra a língua e faz vexame e dá banana em público,
aos seus fanáticos seguidores,
portanto muito cuidado, meus amigos,
deus também fica de saco cheio

NUM TREM DA FEPASA AO CAIR DA TARDE

O carro enorme
como uma raposa fulva
deixa a Estação da Luz -
17 e 45 e se põe a correr:
apita na curva
a linha frange
o aço range
o gaiato ri
a moça paquera
e a lagartona de aço
fura a neblina.
Novo apito na curva
mais uma encoxada.
A moça bufa, estrila
e a maquinona indiferente
vara a noite opalina
molhada pela garoa fina
veloz em direção à serra
atravessa seis cidades
roncando o mesmo refrão:
o dia se vai
a noite vem
o dia se vai
a noite vem
o dia se vai
a noite vem.
E nesse galope medonho
vai desovando sua larva horrenda
por todas as estações -
da Luz a Rio Grande da Serra

DEUSES NUS

As máscaras caíram!...
As vestes, de tão usadas,
com o tempo, apodreceram...
Enfim, os deuses ficaram nus.

O Olimpo afinal se anuviou:
os trovões rolaram
assustadoramente.
Teria sido a ira de Dioniso,
que insatisfeito investiu
contra seus pares de potestados?...

Pelo que tudo indica
o belo e majestoso Apolo,
após muito provocado,
picou fogo no Olimpo,
obrigando quase todos
os deuses a ficarem
completamente nus.

Toca Filosófica, 21/7/2005

CANIBALISMO MODERNO

"Senhor, ensina-me toda casta de vícios"
José Alcides Pinto


As religiões canibais
mercam e comem o corpo do cristo
e dizem em êxtase: “comei e bebei”.
Eu diria: “esse acepipe indigesto”,
que transporta para o reino dos céus
- esse mundo de fantasias,
anestesiador das almas ingênuas que precisam
de um reino dos céus para suas mazelas.

O reino dos céus não está em mim.
O corpo do cristo fede a carniça,
a hipocrisia, guerras, fome, segregacionismos;
e também em seu nome são cometidas
todas as injustiças da terra,
desde tempos remotos
a nossos dias
e é por isso que digo:
o corpo do cristo fede,
o reino de deus não está em mim.

Toca Filosófica, l2/4/2005

MEU REPÚDIO ÀS VERDADES CRAVADAS COM PREGO, CIMENTO E CAL

Meu eu interior,
não sei se errado ou certo,
repudia todos os deuses,
todos os dogmas, todas as religiões,
todos os pregadores, todos os profetas,
todas as verdades cravadas
com prego, cimento e cal;
todos os iniciados em religiões
e outros que tais “verdadeiros”.
Não tenho crença nem quero ter,
não rezo para nenhum deus, nenhuma virgem,
nenhum messias vindo ou por vir.
Não tenho prazer em tais assuntos.
Deus não me interessa.
Portanto, o meu não aos donos da verdade absoluta.
“Sei errar sozinho” - me deixem, por favor!...

Não seriam as religiões de ontem, de hoje e amanhã
um meio de o homem, esse espertalhão,
controlar e explorar o próprio homem?...
Me deixem em paz, “sei errar sozinho”.
Não quero o céu dos religiosos,
prometido aos homens bonzinhos,
àqueles que o adoram de joelhos;
não preciso da proteção dos seus deuses,
bem como dos seus espertos criadores.
“Sei errar sozinho” - não insistam.
Sou um homem sem ilusões. Nada mais.

Toca Filosófica, 3/5/l997

O POETA PASSEIA POR SÃO PAULO NUM SÁBADO À TARDE

(Para Iracema M. Régis)

Tarde.
Sábado.
Chuva.
O poeta passeia por São Paulo,
sua eterna namorada.
Despreocupado, passos firmes,
o poeta anda. Uma livraria, outra.

Tantos rostos anônimos,
famintos. Eles
caminham apressados,
e buscam... Ninguém sabe o quê.
O poeta observa uns painéis:
Praça da Sé, l922.
E lembra Mário de Andrade, aquele
mesmo, o que mastigava amendoim
e que um dia escreveu:
“São Paulo! comoção de minha vida...”
É, à toa o poeta engole
as ruas da cidade
e tem a sensação de ver em cada homem
moreno, careca e grandalhão
o seu querido Mário de Andrade,
esse que pedia, ao morrer,
fossem suas partes espalhadas
pela cidade.

O poeta sente,
o poeta pensa,
mas não pára.
E segue
pelos Jardins futuristas da Praça da Sé,
pelas fontes de murmúrios represados
e, novamente, mais seres
anônimos avançam de metrô.
O poeta entra num bar.
E feliz de ver a cidade
tão viva, tão moderna,
toma um refrigerante
e vai voltando para casa,
deslumbrado de tanta beleza.

No meio do caminho, porém,
de Mário, ou do Tietê, brotam
umas perguntas de ninguém,
umas respostas que indagam.
Essa São Paulo de agora,
o que é que é?... Outra
Babilônia de suspensos
jardins?... Cadê aquela
província de outros tempos,
de estreito destino?...
Cadê Mário?... Cadê o
rio?... Nada. E o Tietê
pinga um suspiro
imenso, imensamente.

Como uma menina, esta cidade
cresce, cresce sempre,
ganha outras ruas, novas praças,
uns elevados, uns calçadões
de mármore. Tá bonita,
cheia de vaidade...


Com seu tipão canhestro de tabaréu,
o poeta passa.
Passa envergonhado,
com medo de atrapalhar a beleza
da cidade.
Passa numa nuvem muda
de carinho,
e tarde,
e sábado,
chove .

Toca Filosófica, 9/2/l978

“ANDANÇAS COM SALVADOR BAHIA” EIS O LIVRO!...


Ilustração INISTA de Neli Maria Vieira


" Vai sempre atrás do Sol - mesmo na sombra "

Nietzsche

I

Faço este poema. Bom ou ruim,
isto pouco ou nada importa .
A meu modo e de mais ninguém.
Poema?... Isto é mesmo um poema?...
Ora, ora, tudo é e não poema
pra falar de um homem:
um sujeito sério, um homem bom,
quase santo. Um filósofo da amizade,
amigo de todos. Mesmo de deus e do Diabo.

II

“Ecce Homo” escreve e muito bem.
Possui alguns livros publicados,
que merecem ser lidos, divulgados:
são livros que falam da vida,
do dia-a-dia, dos seres humanos,
das praças, das ruas, da vida,
dos vira-latas, dos cheiros;
das suas intermináveis caminhadas,
das viagens, dos comes e bebes,
dos apressados viandantes
que passam por este vale de lágrimas;
dos seus amigos, dos seus mortos.

III

Da parentaia, do seu torrão natal,
do seu trabalho, da política,
dos pobres, dos desvalidos,
dos ratos, dos gatos, dos passarinhos,
das frutas, das coisas simples das ruas
dos estacionamentos, dos advogados, dos automóveis,
das florzinhas nas frinchas das pedras,
dos operários que plantam pomares
no meio do burburinho da cidade
e da sua imensa vontade de viver.

IV

Antonio Possidonio Sampaio -
Dr. Possy, este homem é você,
que merece não somente flores,
como quer o poeta em sua canção,
porém uma estátua em vida.

V

Escrevi estas tortas linhas
com os olhos rasos dӇgua,
após virar a última página
do teu belo e sonoroso poema
“Andanças com Salvador Bahia” ,
livro duas vezes objeto:
pois ao mesmo tempo em que é livro,
também é um pedaço de chocolate
ou ainda um taquinho do mais alvo
e suculento docinho de coco baiano,
que apetece a todos os paladares.

VI

Um livro comum, sem frescurites,
sem “cortes”, sem formalismos,
com toda a simplicidade de seu autor,
que toca fundo no cerne, no âmago
da sensibilidade do leitor.

VII

Mestre, meu grande mestre !...
Seria capaz de vender a alma ao Diabo,
a exemplo daquele perssonagem goetheano
ou mesmo um taco do braço esquerdo
para escrever um livro sonoro,
assim como a água da fonte,
simples, comum, terra-a-terra,
igualzinho a este teu belo " SALVADOR BAHIA " .

Toca Filosófica, 21/l/2007

NELI


Ilustração INISTA de Neli Maria Vieira

Neli, o teu perfil de mulher bonita,
altiva, esbelta, confiante,
se assemelha a uma palmeira do carrasco;
na tua voz mansa, musical,
encontro algo do murmúrio dos regatos
e o que dizer dos teus olhos cintilantes?...
Sóis, luas, estrelas ou diamantes?...
Sei lá eu, Dona Neli. Sei lá eu...

O certo é que gosto perdidamente
de conversar contigo;
do teu jeito de ser, de se portar,
de comer, de andar, de olhar, de conversar
e encarar a vida bem de frente, cheia de
[ esperanças -
do que mais, do que mais?...
Sei lá eu, Dona Neli. Sei lá eu...

Às vêzes sinto, grande mulher,
quando junto a ti caminho,
ambos com as cabeças cheias de sonhos, de arte ,
que melhor seria, bem melhor,
se nunca tivéssemos nos conhecido.
Por que pensar assim?...
Sei lá eu, Dona Neli. Sei lá eu...

Toca Filosófica, 23/5/2007

AOS POETAS SUPERIORES

Existem poetas
tão importantes
por este mundão
de Deus Nosso Senhor Jesus Cristo
afora que andam sempre
isolados, fugindo
assim à ganga impura,
enfileirados em pequenos grupos,
como seres extraterrestres:
caras amarradas de quem anda
sempre com desarranjo intestinal.
Outros aéreos, superiores,
sorrisos afivelados
de majestades celestiais,
sempre a berrar:
“A Forma!... A Forma!.. A Forma !...”“
“Um Corte!... Um Corte!... Um Corte!...”
Talqual os “parnasianos aguados”
do malungo Bandeira
em “Os Sapos”, de o “Meu pai foi rei”.

Pobres diabos:
Não sabem que são mortais,
pó, lixo, nojenta matéria orgânica,
que mal servem
para alimentar plantinhas miúdas
de beira de túmulos rasos
de cemiteriozinhos de periferia .

Toca Filosófica, 27/l0/2002

A PALAVRA EXATA

Pobre de mim
poeta frustrado
que nunca digo
no meu desengonçado verso
a palavra exata
pura e simplesmente;
era tudo que pecisava
a minha obscura poesia,
a fim de satisfazer meu ego
ébrio de boas palavras.

CIDADE DE PEDRA E ARGILA

"Orquídea posta num vaso"
Nicolás Guillén


Vejo ainda
grudada no chão
a argila mole,
consistente, catarrosa,
com a qual antigos operários
moldaram a cara da cidade.

Foi daqui que surgiu
a louça, a telha, o tijolo
e mais tarde o paralelepípedo
para a construção de outras
cidades pelo Brasil afora.

A louça Made in Mauá
criou asas e saiu
ornamentando mansões grã-finas
desde “Oropa, França e Bahias”.

Toca Filosófica, l9/2/2003

O PATRIOTA

Gosto do meu Hino Nacional -
esse velho hino que por negligência
nunca consegui aprender de cor.

Sou um homem sensível
e por várias vezes
me pego chorando
ao ouvir suas estrofes doridas
“de um povo heróico o brado retumbante”,
escandalosamente borradas
de um verde e amarelo gostoso -
arrimo “de todas as minhas mágoas de amores” .

Não sirvo para morar fora do Brasil,
pois o Hino Nacional
é uma espécie de oração
que carrego junto ao peito
assim, pendurado como um patuá.

Nacionalismo quadrado?...
Pois é. Que fazer?...
Nasci assim e assim quero morrer,
amando para sempre a minha terra,
o meu povo, o Hino Nacional
e minha bandeira verde e amarela,
consaladora “ de todas as minhas mágoas de amores”.

Toca Filosófica, l3/0l/2002

NÃO CONTRIBUIREI COM UM SÓ ÓBOLO PARA A CONSTRUÇÃO DO NOVO MUNDO


Ilustração INISTA de Neli Maria Vieira


À GUISA DE EXPLICAÇÃO


Tenho notado, quando leio o poema seguinte, que as pessoas, mesmo me recebendo com salva de palmas, costumam dizer que se trata de um trabalho de um homem revoltado. De antemão, digo que não sou de modo algum um revoltado, no sentido estrito da palavra, como querem alguns. Este texto foi escrito de um jato e retrabalhado, em seguida, com a tinta da galhofa.
Vivemos numa época em que todos querem salvar o mundo; uns praticando atentados terroristas como o do World Trade Center, outros fazendo guerras, cada qual tentando puxar a brasa para a sua sardinha, mas com a intenção de consertar o mundo. Vejam, até as religiões tentam salvar o homem das fogueiras do Inferno.
Logo, posso dar-me ao luxo de permanecer indiferente, não querendo nada com nada. Apenas preocupado em bolinar o meu umbigo”, a fim de não atrapalhar a marcha dos bem intencionados consertadores do mundo. Meu poema, repito, não passa de uma estrondosa gargalhada no silêncio de uma austera catedral, e apenas gostaria que fosse visto como tal e nada mais.

Aristides Theodoro
(Para Chico Tânio)

Atenção
senhores idealistas,
construtivistas,
leninistas, trotiskistas, marxistas,
utopistas, capitalistas,
consertadores do mundo:

Não me procurem,
quando passarem
com suas sacolinhas
de bocas grandes
devoradoras de ofertas
destinadas à construção
do novo mundo.

Estou fechado para o almoço,
não me procurem,
soou o sino invisível;
não estou aqui,
por isso não darei
um só óbolo
para a sua campanha.

Não estou a fim de distribuir
os folhetos propagadores
das suas idéias mirabolantes;
não impunharei a bandeira utópica,
não carregarei uma única pedra
destinada ao alicerce do novo mundo.

Não farei proselitismo em praça pública,
não carregarei água para o amálgama
dos alicerces, não segurarei as linhas
e o prumo que nivelarão as pilastras do
[novo mundo.

Estou ocupado comigo mesmo.
Ocupado em não fazer nada,
em bolinar o meu umbigo,
sim, ocupado com meu imenso
individualismo reacionário .

Senhores utopistas,
não tenho sonhos,
não tenho projetos
que engrandeçam a raça humana.

E assim, com meu niilismo,
não quero contribuir
com a causa dos companheiros,
dos oprimidos,
dos camaradas,
dos descamisados,
dos famintos,
dos friorentos,
dos “que vêm de longe”
dos retirantes,
dos bóias frias
e todos os condenados da terra,
como queria o meu divino Frantz Fanon.

Esse palavrório idealista, idiotizado,
me ofende medularmente.
Mais que os palavrões de todos os bêbados,
ditos pelos quatro continentes,
gritados pelas esquinas do mundo.
Detesto as palavras de ordem,
detesto as frases feitas, programadas;
detesto as soluções imediatísticas
dos salvadores da pátria
e, portanto, não quero contribuir
com meus parcos óbolos
para a construção do novo mundo.

Toca Filosófica, 20/6/l996

"GRANDE GILBERTO", CONTRADITÓRIO, PARADOXAL, MAS SEMPRE GRANDE


Ilustração INISTA de Neli Maria Vieira

(Para Iracema M. Régis, gilbertiana, como eu)



"Grande Gilberto!..."
Sinto, vejo e revejo extasiado,
aqui no Museu da Língua Portuguesa,
em São Paulo, bem longe do teu Recife
um pouco da tua genialidade:
os teus escritos primitivos,
teus cadernos de receitas,
os quadros da tua ingenuidade,
as tuas condecorações,
recebidas mundo afora,
onde teus textos foram reconhecidos.
Enfim, "grande Gilberto!..."
Teus vários livros, dos quais,
notei que me faltam quatro deles,
na minha já vasta gilbertiana.
A tua correspondência, os móveis
e mais a tua voz gostosa,
cheia de pernambucanidade, brasilidades...

Gilberto, "grande Gilberto!..."
Estou certo de que a tua memória,
juntamente com alguns dos teus livros,
tais como casa Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos,
Nordeste, Perfis de Euclides e outros perfis,
quer os teus adversários queiram ou não,
permanecerão pelo menos enquanto existir em nossa terra,
alguém que soluce a Língua Portuguesa,
essa bela e plástica "Flor do Lácio".
Feliz de um povo, de um País, que se deixa guiar
por um pensador com a tua sabedoria, a tua perspicácia
e a tua sensibilidade de brasileiro
com tino de universalidade.

Toca Filósofica, 10/2/2008